Eu, sinceramente, não sei quando foi que eu cheguei aqui. Só sei que quando me dei conta, já estava com a pele arrepiada e as pernas doendo, olhando fixamente para alguma coisa e meio deitada na cadeira que parecia confortável no começo. Agora eu olho em volta e estou cercada de pessoas que eu não tenho certeza se estavam ali antes de mim ou se brotaram espontaneamente nos assentos. A maioria com a cabeça baixa, olhando para os próprios celulares – dá para ouvir pelo menos três alertas diferentes de mensagens – e um deles inclusive toca um vídeo de bom dia. As únicas pessoas que não encaram celulares são uma criança inquieta e a mãe que sussurra para que ela fale mais baixo. O painel preto acende. Aparentemente até o momento eu estava olhando a TV com imagem chuviscada que passava o jogo de futebol entre o time vermelho e amarelo. O número no painel vem depois do meu e um casal se levanta. Será que eles chegaram mesmo antes de mim? Lá fora o paciente que saiu para liberar espaço para o casal já acelerou o carro e agradeceu o frentista. Passa um mosquito e pousa na parede encardida. Ele agora virou minha distração, afinal de contas não posso ficar mais trocando olhares com a recepcionista toda vez que ela diz “próximo, por favor” ou o interfone toca e eu me iludo achando que é o alerta de senhas. Passa um entregador e manda “boa tarde”, mas como pode ser boa tarde se o vídeo da pessoa de máscara de bolinha dizia bom dia? Tudo bem, pega uma revista Tititi de 2012 e tenta se distrair, o tempo vai passar lá fora de qualquer maneira e não importa se você chegou de manhã ou que a pessoa do vídeo de bom dia demore pelos menos 3 horas para responder notificações. O barulho do painel me distrai da matéria do novo namorado da Gretchen, o número corresponde com aquele no papel amarelo e fino que já grudava nos meus dedos e, finalmente, posso esticar as pernas e puxar a cintura calça para cima, andar até a porta e, depois de vislumbrar mais cadeiras, “fica à vontade, a doutora já já te chama” e dessa vez não tem TV.